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Atrizes falam de clausura, moral e repressão em “A Casa de Bernarda Alba”

Estréia em São Paulo neste fim de semana o espetáculo “A Casa de Bernarda Alba”. Como ponto de partida o texto A Casa de Bernarda Alba do dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca, o Coletivo Inominável busca investigar as proximidades e distanciamentos entre a Espanha de 1936 e o Brasil de 2017.

As agudas percepções de Lorca sobre a moralidade, o papel da mulher na sociedade, as dinâmicas de poder (seja num contexto familiar ou empregatício), a liberdade individual versus o status coletivo, o desejo, o sexo e a morte permanecem pertinentes até os dias de hoje, décadas após a criação do texto, justificando o interesse do Coletivo em compará-lo à sociedade brasileira atual. Num país em que o corpo da mulher segue objetificado, a cultura do estupro permanece enraizada, a discrepância de salários e oportunidades profissionais entre homens e mulheres é gritante, a religião e a moral seguem como mecanismos de castração das vontades individuais, o texto de Lorca, que trata de um grupo de mulheres vivendo presas numa casa em luto se mantém como instrumento de reflexão sobre as tensões da sociedade vigente.

Tendo como referência o clima de opressão e patrulha ideológica presentes no texto, a montagem pretende potencializar o clima de claustro apontado no original de Lorca, utilizando uma área cênica reduzida e abolindo coxias e saídas: todos os personagens permanecem em cena o tempo todo, disputando espaço e influenciando ou comentando o desenrolar da trama.

A plateia também é inserida no jogo cênico, disposta em semi-arena próxima à área cênica, sendo ao mesmo tempo cúmplice e captora dos personagens em cena.

O último pilar sobre o qual o espetáculo é construído, a figura feminina, é garantido pela presença constante de mulheres na equipe criativa: mulheres cisgênero e drag queens se apropriam do texto e ampliam o alcance das reflexões sobre o que é ser mulher e o que é performar a feminilidade no Brasil de agora. Questões sobre a liberdade sobre o próprio corpo, o olhar do outro, as cobranças da sociedade (juventude, beleza, casamento, filhos) e a força do feminino que resiste a uma sociedade machista foram pontos em comum trazidos pelo elenco e dão lastro à montagem.

O projeto é feito sem leis de incentivo à cultura ou outras formas de patrocínio, com dinheiro injetado pelo próprio Coletivo e tendo como parceiros o centro de acolhida LGBT e ponto cultural Casa 1 e o Núcleo Educatho, parceiros que se uniram à empreitada por sua proximidade com os temas abordados e cederam espaço para ensaio ao longo dos oito meses de processo.

A PROPOSTA DE ENCENAÇÃO E FIGURINO

Situada na casa em que Bernarda Alba impõe um luto de oito anos, e de onde ninguém poderá sair ou onde ninguém poderá entrar, em honra à morte do patriarca, a trama foca nas relações das filhas e empregadas de Bernarda entre si, com a matriarca, e com o vilarejo onde moram.

A encenação do Coletivo Inominável também começa a partir desta problemática: todas as atrizes estão em cena o tempo todo, lidando de modo concreto com o confinamento ao qual estão sujeitas as suas personagens. A proximidade com a plateia também faz parte deste jogo, onde o espectador tão perto da cena pode ser um aliado ou um inimigo das moradoras da casa.

Para tanto, o espetáculo ocupará a Sala Piscina do Viga Espaço Cênico, garantindo a aproximação dos espectadores que, dispostos numa semi-arena, não só observam a cena como aprisionam as atrizes. Fugindo do realismo proposto por Lorca, o Coletivo opta por uma estética minimalista, sem cenário e utilizando apenas cadeiras. A luz segue esta mesma diretriz, servindo apenas para delimitar espaços e sugerir atmosferas, mas permanecendo simples.

O figurino, idealizado por Maria Celina Gil, apropria-se do bordado e da costura sugeridos no texto de Lorca, e se compõe de saias onde as atrizes podem bordar e peças de lã que vestem mas também aprisionam as atrizes.

SINOPSE

Num lugar não definido que pode ser a Espanha dos anos 1930 ou o Brasil de agora, Bernarda Alba decreta em sua casa um período de luto após a morte do marido. Nos oito anos de penitência, suas filhas não poderão ultrapassar os muros da casa, permanecendo tão sepultadas quanto seu pai. Cada uma delas, porém, lidará com a imposição de um jeito diferente, nem sempre concordando em colocar suas vidas em suspenso por quase uma década.

A partir das interações das irmãs entre si, com a mãe e com as empregadas da propriedade, o Coletivo Inominável propõe uma reflexão sobre o papel da mulher na sociedade, sobre o individual versus o coletivo e sobre os jogos de poder que regem as relações.

Texto Federico Garcia Lorca

Direção Fernando Pivotto

Desenho de Luz Larissa Kalusinski

Figurino Maria Celina Gil

Elenco Alexia Twister, Beatriz Cugnasca, Carolina Froes, Fabi Carvalho, Marilia Machado, Nina Ramoz, Rayssa Randi, Renata Flores

Produção Cezar Zabell e Maria Celina Gil

 

A Casa de Bernarda Alba

De 07 a 29 de outubro. Sábados às 21h e domingos às 19h

Viga Espaço Cênico. Rua Capote Valente, 1323. Pinheiros – São Paulo

Ingresso: R$ 40,00 e R$ 20,00 (meia-entrada)

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