Eu Já Estive Em “A Menina e o Trem”, de Evandro Aléssio

Para mim, esse é muito mais que um romance, já é um dos meus livros preferidos lidos em 2024. Muito bem escrito, cheio de referências, é um livro emocionante, onde as mais de 400 páginas são lidas desenfreadamente, buscando a solução à trama quanto antes.
Estamos falando sobre “A Menina e o Trem”, escrito por Evandro Aléssio, em leitura coletiva organizada pela LC Agência de Comunicação. A protagonista da trama é a Julia, uma menina que sempre sonha com um trem, mas não consegue encontrar relação nenhuma com ele em sua vida. Ela cresce, começa a namorar e engravida de Fernando, seu primeiro amor, um moço que já perdeu a mãe, mora com o pai, e visto como alguém de boa família e com ótima educação, mas sem riquezas. O pai de Júlia, dono de terras e criador de gado, não aceita o relacionamento e aí começa toda a saga de Júlia, internada em um hospital psiquiátrico na tentativa de camuflar a gravidez. Tudo isso está na primeira parte do livro, dividido em duas partes e cerca de 100 capítulos cada uma das partes – são capítulos curtos e amamos demais porque facilitam muito a leitura, apesar de aqui isso não ser necessário porque o que você quer é devorar cada página o mais rápido possível.
O que me fez amar tanto o livro? Ele tem como cenário Barbacena, em Minas Gerais, tida tempos atrás como cidade dos loucos, isso por abrigar o Hospital Colônia, o maior hospital psiquiátrico da época. O ponto é que na década de 70, os motivos que levavam às pessoas ao hospital psiquiátrico eram muitos, menos problemas psiquiátricos. Júlia mesmo foi parar lá depois do pai pagar propina para que o médico responsável a segurasse por lá o tempo necessário para esconder a gravidez. Mas, lendo o livro, você vai ter acesso a tantos outros motivos e formas de manter as pessoas por lá presas, muitas delas tidas como mortas, justamente para não levantar suspeitas.
Evandro Aléssio traz em “A Menina e o Trem”, temas como abuso parental, todo o problema de extorsão existente em Barbacena, apresenta a Maçonaria – instituição milenar e universal que participou de forma decisiva de momentos históricos; a questão do divórcio, até então praticamente proibida no Brasil, entre tantos outros temas. “Não importava o diagnóstico, o medicamento mais utilizado era o Haldol (haloperidol). Alcoólatras, homossexuais, usuários de drogas, mendigos, prostitutas, teimosos e até os que tinham uma doença mental verdadeira, eram tratados de forma homogênea – uma padronização da loucura.” O Hospital Colônia tinha 16 pavilhões, inclusive o destinado a quem podia pagar pela estadia, o que dava privilégios ao internado.
Entre as cenas descritas no Hospital que mais me incomodaram está a da destinação dos cadáveres: “Durante anos, centenas de cadáveres foram vendidos pela direção do Hospital Colônia para as faculdades de Medicina do Brasil. Se precisassem somente do esqueleto, cozinhavam os corpos ou os dissolviam em ácidos, dentro de tambores que, muitas vezes, ficavam à vista dos outros internos.”
Barbacena recebeu o Hospital Colônia como “presente de grego” porque perdeu na seleção para ser a capital de Minas Gerais, o que fez com que o Governo Mineiro desse à cidade esse prêmio de consolação. E tem mais “o Hospital Colônia de Barbacena exalava uma destrutiva energia negativa. As terras onde foram instalados haviam pertencido a Joaquim Silvério dos Reis, o traidor da Inconfidência Mineira, em 1789, cujo ato culminara com o enforcamento de Tiradentes.
Enfim, tudo isso numa trama de deixar você instigado do começo ao fim. Vamos a alguns trechos do livro:
“Nem sempre pegamos o trem que queremos; nossas viagens não são só nossas… Você sabe onde Deus está?”
“Tá bom, mas se internarem todo mundo que fala sozinho, só os mudos ficarão livres. Aqui tem gente internada exatamente por ser muda. Então, não fica ninguém de fora – retrucou ela, cruzando os braços.”
“O ócio era uma das maiores causas de transformação de pessoas mentalmente sadias em verdadeiros alienados no ambiente do Hospital Colônia.”
“Você tem suas razões, e quem tem um porquê enfrenta qualquer como.”
Sinopse: No século passado, o Hospital Colônia de Barbacena foi palco de diversas atrocidades. Construído para se tornar uma referência em tratamentos psiquiátricos, o hospital se tornou alvo de diversas denúncias por maus tratos a seus pacientes.
Barbacena recebeu a alcunha de “a cidade dos loucos” e o Colônia, para quem o conheceu de perto, foi chamado de o “lugar onde todas as histórias eram possíveis”.
Sobre o autor: Evandro Aléssio é casado com Carla Pedroso, pai do Pedro Humberto e portador, segundo ele, de dupla nacionalidade: mineira – nasceu em Ponte Nova, mas com menos de um ano já havia aportado em Barbacena. Estudou em um conceituado seminário católico, um lindo castelo conhecido como Borda do Campo, lugar que serviu como cenário para seu primeiro romance. Evandro é membro da Academia Barbacenense de Letras e autor de “Inteligência Alimentar”, “A Energia do Silêncio” e do livro de poesias “O poeta de Gastropinelândia”, além de ter participado de diversas coletâneas literárias. “A Menina e o Trem” é seu segundo romance e sofreu forte influência de uma série de entrevistas realizadas por Leliene Rodrigues, Greg Tillman e pelo autor no ano de 2008, que teve como alvo a comunidade ligada à história do Hospital Colônia, na cidade de Barbacena. Em 16 anos de trabalho, de 2007 à 2023, foram mais de 10 mil horas de dedicação para que esse livro pudesse ser produzido.
“A Menina e o Trem”, de Evandro Aléssio, tem 486 páginas, publicado pela editora Murano com o selo de 100% de escrita criativa humana, sem o uso de inteligência artificial. Está à venda nas plataformas de e-commerce no formato digital. Leitura coletiva promovida pela LC Agência de Comunicação.
Janaína Leme
@eujaestiveem