Eu Já Estive Em “Arrastados”, de Daniela Arbex

Eu tinha alguma noção do porquê o livro chama-se Arrastados: justamente porque os corpos das vítimas da tragédia de Brumadinho, quando a barragem da Vale se rompeu naquele 25 de janeiro, foram arrastados por uma onda de 18 metros de dejetos. Mas acredito que o título Arrastados terá um peso muito maior depois dessa leitura. Isso porque, arrastados foram os corpos, mas também está sendo arrastada toda uma decisão do porquê barragens como essas, que provavelmente já se sabe que vão cair, ainda existem e seguem ativas sem qualquer punição.
O livro começa mostrando onde alguns trabalhadores, moradores, visitantes de Brumadinho, estavam momentos antes da tragédia. Chega o momento do rompimento da barragem, ela devasta tudo e as histórias continuam sendo contadas, seja a dos poucos sobreviventes, ou pelos parentes que sobreviveram e contaram as histórias de seus amores que foram perdidos.
Daniela escreve com muita sensibilidade sobre os amores (assim chama as vítimas fatais) que se perderam e as joias (assim chama os corpos) que estão sendo encontradas até hoje. Aqui veio uma das partes da história que mais me chocou talvez por falta de conhecimento sobre esse momento, não tão bem retratado antes do livro: o momento que os restos mortais começam a chegar no IML e a equipe entende a complexidade da tragedia. Os rejeitos que cobrem os corpos são tão densos que impedem a visão até com o uso de raio X. Esse exemplo no livro está ilustrado com a foto de uma tesoura perfeitamente vista no raio X e que, se coberta pelos rejeitos, fica completamente invisível.
Aliás, o livro é extremamente bem editado, com as cores que lembram a lama, como fotos e com o cuidado de trazer no verso da capa e contracapa o nome de todas as vítimas da tragédia.
A Vale seguir como uma das empresas que mais lucram mundialmente é o que mais me choca, já que pelo o que se pode perceber, é muito mais fácil para eles remediar do que prevenir. Você conseguiria seguir trabalhando em uma zona de mineração sabendo que há barreiras que podem romper a qualquer momento? Enfim, esse foi um dos meus maiores questionamentos para quem segue empregado pela Vale.
“O chão que pisava uma hora e meia antes, com tanto orgulho, era agora uma cova coletiva de empregados da multinacional e de outras empresas terceirizadas”.
Sinopse: no dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28, a B1, barragem desativada da Mina do Córrego do Feijão, explorada pela mineradora Vale, na cidade de Brumadinho, Minas Gerais, rompeu. Seu rastro de lama, rejeitos de minério e destruição se estendeu por mais de 300 quilômetros, passando por 17 cidades. Trezentos e quatorze funcionários e colaboradores da empresa estavam na mina no momento – muitos, no refeitório, um dos prédios mais atingidos pela massa que desceu levando torres de transmissão, trens de carga, pontes, casas, árvores, animais e, na contagem oficial da tragédia, a vida de 270 pessoas (ou 272, considerando as duas gestantes entre os mortos). Jornalista investigativa premiada, com talento singular para dar voz a quem não a tem, Daniela Arbex foi a campo para reconstituir em detalhes as primeiras 96 horas da catástrofe. Ela entrevistou sobreviventes, familiares das vítimas, bombeiros, médicos-legistas, policiais e moradores das áreas atingidas, e acompanhou o impacto das indenizações e contrapartidas institucionais para a reparação dos danos materiais. Minucioso, forte e ao mesmo tempo extremamente sensível, Arrastados é o resultado dessa apuração. Além da escrita precisa da autora, que coloca o leitor dentro da Mina do Córrego do Feijão no instante do colapso da barragem, o livro conta ainda com fotografias – registradas por profissionais ou extraídas de álbuns de família – que ajudam a dimensionar e humanizar a tragédia. É, sobretudo, um trabalho de resgate das histórias pessoais por trás dos números, dos fatos estarrecedores e das perdas evitáveis. Novamente, Daniela Arbex constrói memórias e impede que mais uma catástrofe brasileira se perca em meio à banalidade do noticiário cotidiano.
Daniela Arbex, nascida em Minas Gerais, é autora premiada de outros quatro livros, todos publicados pela editora Intrínseca. Sua obra de estreia, Holocausto Brasileiro (2013), foi reconhecida como Melhor Livro-Reportagem de 2013 pela Associação Paulista de Críticos de Arte e segundo melhor Livro-Reportagem de Prêmio Jabuti de 2014. Além disso, foi adaptada para documentário pela HBO e inspirou a série de ficção Colônia, exibida pela Globoplay. Cova 312 (2015), seu segundo livro, foi vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Livro-Reportagem em 2016 e Todo dia a mesma noite (2018), que narra a história não contada da tragédia de 2013 na boate Kiss, ganhará adaptação pela Netflix. Os dois mundos de Isabel (2020), primeira biografia escrita por Arbex, foi lançada no mesmo ano em que a autora recebeu o prêmio de Melhor Repórter Investigativa do Brasil pelo Troféu Mulher Imprensa. Daniela Arbex tem ainda outros 20 prêmios nacionais e internacionais no currículo, entre eles três prêmios Esso e o americano Knight International Journalism Award. Foi repórter especial por 23 anos do jornal Tribuna de Minas. Atualmente dedica-se à literatura.
Arrastados, de Daniela Arbex, tem 326 páginas e foi lindamente editado e publicado pela Intrínseca. A venda nas livrarias de todo o Brasil.
Janaina Leme
@eujaestiveem