Eu Já Estive Em “Quando eu Voltar a Ser Criança”, de Janusz Korczak

“A inspiração é como se fosse conversa com Deus. Ninguém tem o direito de se intrometer.” E é com essa frase retirada do livro Quando eu voltar a ser criança, de Janusz Korczak, publicado pelo Grupo Summus, que inicio essa resenha. Por que escolhi iniciar com inspiração? Porque o livro é uma verdadeira inspiração para melhorar a convivência entre adultos e crianças.
Como a própria sinopse conta, essa é a história de um professor, que cansado dos dissabores da vida, deseja voltar a ser criança e tem esse desejo concedido. A questão é que voltar a ser criança com o conhecimento já adquirido de um adulto poderia facilitar a vida, mas pelo contrário, é mais complexo do que parecia ser.
Fazendo uma analogia longe de algo voltado à literatura, do mesmo jeito que depois que você salta de paraquedas e passa entre as nuvens você nunca mais verá o céu da mesma forma, eu acredito que depois de ler esse livro você não conseguirá mais dialogar com uma criança sem parar para analisar melhor o que ela está sentindo também.
Eu separei um trecho grande do livro, já do meio para o final, que não é um spoiler, mas que para mim mostrou muito como é dificil ser criança e ter que lidar todo o tempo com as comparações feitas pelos adultos… quem eles pensam que são!…: “É sempre assim: o adulto está muito ocupado, a criança está zanzando à toa; o adulto tem senso de humor, a criança faz palhaçadas; o adulto sofre, a criança choraminga ou berra; o adulto tem movimentos rápidos, a criança é agitada; o adulto está triste, a criança está de cara feia; o adulto é distraído, a criança vive no mundo da lua; o adulto fica mergulhado em pensamentos, a criança está abobalhada; o adulto faz alguma coisa pausadamente, a criança se arrasta.”
O livro teve um peso ainda maior para mim por ter sido publicado em 1926, escrito por alguém que escolheu morrer junto com as crianças em um campo de extermínio de Treblinka por conta da ocupação nazista. Mas não se preocupe que o autor não colocou tristeza na história, somente quando necessário, já que a criança também se entristece, sejam por ser chamado atenção na sala de aula, seja por ter que parar sua brincadeira para brincar com a irmã mais nova, seja por querer crescer logo.
Vamos a mais alguns trechos do livro:
– Porque, quando tudo sai bem desde o início, a coisa fica chata.
– Os adultos são infelizes. Não é verdade que eles podem fazer o que querem.
– É provável que eu venha a ser o melhor aluno, porque já me formei uma vez. Devo ter esquecido algumas coisas, mas recordar do que se esqueceu é bem mais fácil que aprender tudo de novo.
– Quando eu era adulto, quanto mais uma coisa me interessava, melhor eu era capaz de falar a respeito. Mas com as crianças talvez seja diferente. Quando um assunto nos importa muito, torna-se dificil falar sobre ele, mesmo quando sabemos a matéria.
– As crianças acham que um adulto não precisa de mãe, que só uma criança pode ser órfã. As coisas são feitas de modo que quanto mais velha uma pessoa é, tanto mais raro é ela ainda ter pais. Mas tem horas em que também o adulto sente saudades da mãe, do pai…
– Pode ser que não estejamos falando de coisas muito inteligentes. Conversamos apenas. E os adultos, será que sempre falam coisas inteligentes?
– Parece que o vidro foi inventado pelos fenícios. E desde então, ao longo de tantos séculos, não foi possível inventar algo mais resistente? O que será que os químicos estão fazendo? E os físicos nos seus laboratórios?
– Tenho muitas perguntas. Por que os adultos não gostam das nossas perguntas?
– As crianças, afinal, são ou não seres humanos? Nem sei mais se devo ficar contente por ser criança, contente por haver neve branca na rua, ou triste por ser tão franco.
Sinopse: Quando eu voltar a ser criança é a história de um professor que, cansado dos dissabores da vida, volta no tempo e passa a ver e a sentir o mundo com olhos e coração de criança, mas retendo suas memórias de adulto. Com sensibilidade, delicadeza e ternura, Janusz Korczak nos convida a acompanhar situações do cotidiano dessa criança de dez anos — em casa, na escola, na rua; como filho, irmão, aluno, amigo —, compartilhando conosco os sentimentos e as reflexões que as experiências vividas despertam no menino e no adulto que a habitam. Mais do que uma obra de ficção, este livro é um ensaio sobre como é ser criança num mundo feito por e para adultos, e uma comovente apologia do direito das crianças a uma vida livre e feliz. Publicado em 1926, continua atual e extremamente necessário.
Janusz Korczak, pseudônimo de Henryk Goldszmit, foi pediatra, pedagogo, jornalista, escritor e ativista polonês e dedicou a vida à causa das infâncias. Nasceu em Varsóvia, em 1878, no seio de uma próspera família judaica. Formou-se em Medicina pela universidade de Varsóvia e se notabilizou por seu trabalho de atendimento a crianças carentes e órfãs. Fundou o orfanato Dom Sierot, onde colocou em prática sua visão revolucionária de uma educação baseada na democracia, na autogestão e no direito das crianças à liberdade e a uma vida digna. Escreveu muitos livros, dentre os quais se destacam Quando eu voltar a ser criança, de 1926, e O direito da criança ao respeito, de 1929. Durante a ocupação nazista na Polônia, seu orfanato funcionou dentro do gueto de Varsóvia e abrigou cerca de 200 crianças judias. Morreu em 1942, assassinado junto com elas, no campo de extermínio de Treblinka.
Quando eu voltar a ser criança, de Janusz Korczak, tem 200 páginas. Publicado pelo Grupo Summus, o lançamento – 18ª edição revista – está à venda no site da editora e nas demais plataformas de e-commerce no formato impresso e digital.
Janaína Leme @eujaestiveem