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Eu Já Estive Em “A Morte é Meu Ofício”, de Robert Merle

Hoje vamos falar sobre “A Morte é Meu Ofício”, escrito por Robert Merle, traduzido pelo jornalista Arnaldo Bloch e publicado pela editora Vestígio. Tenho achado interessantíssimo como 2022 foi o ano que tanto li sobre Alemanha, Auschwitz, Holocausto, mas nada é tão assustador, quanto o sangue frio de Rudolf Lang nesta obra.

Logo no prefácio, o autor conta que Rudolf Lang existiu e era comandante do campo de Auschwitz. O essencial de sua vida chegou até o autor por intermédio do psicólogo americano Gustave Gilbert, que o interrogou em sua cela durante o processo de Nuremberg, e segundo Robert Merle, o resumo desses encontros é mais revelador do que a confissão escrita pelo próprio Rudolf. O autor também conta que antes de iniciar suas pesquisas para A Morte é Meu Ofício, já sabia que de 1941 a 1945, cinco milhões de judeus foram executados em Auschwitz. Mas, como ele bem diz, uma coisa é sabê-lo de forma abstrata, outra é ter à mão, em textos oficiais, a organização material do horripilante genocídio.

O livro é dividido em anos: 1913, 1916, 1918, 1922, 1929, 1934 e 1945. O autor escolhe a dedo situações que mudaram a vida de Rudolf em cada um dos anos selecionados para dar nome aos capítulos.

Logo na infância teve um pai complexo, que o obrigava a estudar para ser padre, para que com isso, o pai pudesse ter seus pecados absolvidos. No livro ele se refere todo o tempo a Mãe e Pai, sem nomes. Mas o filho nunca quis assim seguir. Desde pequeno sentia a necessidade de cumprir as ordens que lhe haviam sido dadas.

Lendo o livro, eu fiquei analisando situações ou pessoas que viveram ao redor de Rudolf que, se tivessem agido diferente, ou que acontecessem de maneira diferente, poderiam mudar o rumo de sua vida. Mas ele não teve muitas pessoas sua volta que o ajudaram. Sua mãe era totalmente submissa e foi no alistamento aos 15 anos que Rudolf se encontrou. Perdeu o pai, e daí em diante tornou-se um cumpridor de ordens implacável. Mesmo quando foi trabalhar para reconstruir a fazenda, acreditei que ali ele poderia ter seguido a vida dele, depois de casado e com filhos, mas estava no sangue dele seguir buscando uma patente maior e cumprir mais e mais ordens.

A impressão que tive é que desde a adolescência não sofria com a arma na mão, e tudo bem se ordem fosse para liquidar o inimigo. Isso lhe rendeu méritos enquanto estava em campo, mas depois que voltou da guerra ainda precisou lidar com muitas situações. Ele voltou a encontrar a mãe e a frieza com que lidou com a mãe e as irmãs é assustadora, mas aí você para e analisa que essa frieza foi a mesma de ambos os lados, mãe e filho. Pelo menos foi a impressão que tive.

É bem complexo ler sobre a vida de Rudolf Lang / Hoess porque você fica tentando buscar evidências que tenha trazido à tona em sua vida toda a frieza que ele carrega. Mas em muitas das situações como ele se porta você fica na dúvida: se ele tivesse uma família repleta de muito amor, por exemplo, será que ele seria diferente, ou essa frieza toda já estava ali enraizada nele desde sempre?

Quando ele vai trabalhar na montadora de armários, por exemplo, comprou briga com todos os trabalhadores porque se a ordem era parafusar, ele ia parafusar o que conseguisse dentro do horário de trabalho e não era problema dele se os demais ficariam sobrecarregados. Eu até concordo que você não tem que se prejudicar profissionalmente por conta da falta de profissionalismo dos demais, mas em menos de um dia já tinha batido de frente com todos os funcionários, praticamente, porque se estava ali para cumprir determinada tarefa, assim ia fazer.

Você ter como foco descobrir uma forma de matar e se livrar dos corpos dos judeus mais rapidamente e cumprir isso sem peso na consciência é algo assustador. Ninguém que estava a volta dele, pelo menos nos relatos, conseguiu acompanhar seu nível de crueldade.

Alguns trechos do livro:

– Olhei para a Mamãe, e usando toda a força que me restava, silenciosamente, pedi socorro. Ela tentou desviar o olhar, mas dessa vez não conseguiu. Permaneceu um segundo inteiro a me fixar com seus olhos dilatados, depois vacilou, empalideceu, e sem uma palavra, seu corpo caiu esticado no chão. Compreendi, num lampejo, o que se passava: ela me entregava ao Pai.

– Só existe uma igreja para mim, e ela se chama Alemanha!

– É importante que você cuide com extrema atenção da formação moral dos seus homens. É preciso que eles compreendam que um SS deve estar pronto para executar sua própria mãe, se for essa a ordem recebida.

– Meu ponto forte é a prática.

– Será que ao menos as mulheres não poderiam ser poupadas? Obvio que não: são elas, sobretudo que precisamos destruir. Como se pode suprimir uma espécie conservando as fêmeas?

Quem traduziu o livro para o português foi o jornalista Arnaldo Bloch. Além de A Morte é Meu Ofício, também foi o responsável pela tradução de outros títulos da editora: O Império do Ouro Vermelho e Engenheiro do Caos, esse segundo já lido por nós e comentado por aqui.

A Morte é Meu Ofício, de Robert Merle, publicado pela Editora Vestígio, está disponível nas livrarias de todo o Brasil e no site da editora.

Janaína Leme

@eujaestiveem

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