Eu Já Estive Em “Herança”, de Jacques Fux
O trauma do Holocausto apresentado na visão de três mulheres de gerações diferentes. Sarah, a avó, Clara, a filha e Lola, a neta, relatam como essa herança pode perpetuar gerações no livro de Jacques Fux, lançado pela Maralto Edições: Herança.

Sarah conta sua história em forma de diário, trazendo dia a dia a sua adolescência a partir de 2 de agosto de 1939 e segue, dentro do possível, até 1945. Ela fala sobre seus dias felizes na escola, descobre seu primeiro amor, mas é possível perceber o quanto os relatos mudam e são entristecidos a partir do momento que os nazistas passam a perseguir os judeus. Em paralelo, Clara, filha de Sarah, tem trechos de suas sessões de psicanálise relatados na obra, já indicando o quanto ela carrega consigo parte de tudo o que sua mãe sofreu. A terceira personagem é Lola, filha de Clara, neta de Sarah, que desde adolescente estuda o assunto e traz seus relatos com um desabafo.
É um livro para ser lido com espaços, como o próprio autor disse! São muitos os trechos comoventes. Mas o que mais me chamou a atenção é como um trauma transgeracional como esse pode impactar tantas gerações. Lola foi estudar e ler diários para conseguir entender mais sobre o que sua avó passou, entender mais sobre as dificuldades de Clara como sua mãe e para pensar sobre como criar a sua filha Luísa, que também traz essa bagagem em sua Herança.
Herança é lindamente ilustrado por Raquel Matsushita e traz um posfácio de Christian Dunker que, assim como o livro, merece ser lido muitas vezes porque é de uma riqueza de sentimentos sem tamanho.
Vamos a pequenos trechos do livro:
– Eu não sou mais aquela menina. Ela, como tantas, está morta.
– Eu tossia, ela se desesperava. Eu dormia, ela se deitava ao meu lado para se assegurar de que eu respirava. Eu tinha uma pequena febre, e passávamos horas no hospital acompanhada pela sua angústia, seu suplício e sua imensa aflição. As netas do Holocausto viveram todas assim.
– Três gerações distantes, atadas em silêncio.
– Nota para não esquecer, apesar de ser mais clichê: nunca deixar de dar carinho e amor às pessoas o tempo todo, a todo momento, em todo o instante. A pessoa pode simplesmente ser morta, e você viverá com o peso do arrependimento.
– Por que pensamos tanto no futuro e nas promessas, se é no átimo de uma surpresa, no ápice de um acaso, no espanto e no assombro de um segundo que a vida acontece? Que a vida mostra o seu sentido?
Sinopse: como fica a pós-memória de um trauma geracional? Ao investigar na literatura o testemunho dos sobreviventes do Holocausto, o premiado escritor Jacques Fux encontrou o tema para seu novo livro. Os seis anos de pesquisas sobre os diários das crianças que estiveram nos campos de concentração e extermínio, em Auschwitz, deram o pontapé inicial para a escrita de Herança (Editora Maralto), que terá dois lançamentos em dezembro, na capital mineira. Na obra, Fux perpassa a vida, os sofrimentos com o Nazismo e a resistência de Sarah, Clara e Lola – três mulheres, representantes de diferentes gerações de uma mesma família – com histórias que se cruzam e se entrelaçam.
Jacques Fux é escritor, pesquisador, professor e tradutor, nascido em Belo Horizonte em 1977. Formado em Matemática, Mestre em Ciência da Computação, Doutor em Literatura Comparada pela UFMG e Docteur em Langue, Littérature et Civilisation Françaises pela Université de Lille 3, na França, foi pesquisador visitante no Departamento de Romance and Languages em Harvard, entre 2012 e 2014. É também Pós-doutor em Teoria Literária pela Unicamp e pela UFMG. Proferiu palestras e deu aulas nas principais universidades do mundo, entre elas Harvard, MIT, Boston University, Cornell, Universidade de Estocolmo e Sorbonne – Paris III. A relação entre letras e números, que aparentemente pertencem a universos díspares, o inspirou para o doutorado sobre a matemática na literatura do argentino Jorge Luis Borges e do francês Georges Perec. A tese acabou sendo premiada com o Capes de Teses de 2011, e deu origem ao primeiro livro do autor, a crítica literária Literatura e matemática: Jorge Luis Borges, Georges Perec e o OuLiPo (Tradição Planalto), publicado em 2011. No ano seguinte, estreou na ficção com o bem recepcionado romance Antiterapias, editado pela Scriptum. Era apenas o início de uma promissora carreira como escritor.
Herança, de Jacques Fux, publicado por Maralto Edições, tem 224 páginas, e pode ser comprado diretamente com o autor em suas redes (@jacquesfux) e no site da editora.
Janaína Leme
@eujaestiveem