Eu Já Estive Em “Lenda das Pedras, de Edson Freitas de Araújo

Ler Lenda das Pedras foi um desafio concluído com sucesso por aqui. Desacostumada a ler textos mais rebuscados, aprendi muito com a escrita do autor.
A estória começa com uma poesia sobre a lenda que conta por que as montanhas que cercam o Recôncavo Baiano se separaram: Copioba e Aporá. Poesia essa criada pelo próprio autor. Depois partimos para a infância do menino de calção de pano fino e é sua mãe quem conta para ele em detalhes a lenda, famosa na região. Mas, seguiam negando aquelas estórias, tão ardentemente consumidas pelo imaginário infantil…
Esse menino cresce e sua vida se mistura a de outros personagens que surgem na trama, todos eles sempre em busca de algo, seja do reconhecimento dos pais, de um amor arrebatador, etc.
A meu ver o livro ganha outro rumo depois que o menino de calção de pano fino cresce e chegamos ao episódio do rio (para não dar spoilers). Depois desse momento, para mim, quem passa a ser protagonista do livro é a Quitéria, algo que eu enxerguei como a morte, ou uma entidade que sonda as pessoas que parecem ser mais fracas e predispostas a serem induzidas a tirar a própria vida, por exemplo.
Parte do livro traz personagens sem nome definido, mas de um momento em diante na história (depois do rio), eles passam a ter nomes não muito comuns como Sozinha, Diáfono, Filinto, entre outros. Parte do livro também frisa muitas vezes a frase: a família é a célula mater da sociedade. E, são justamente os personagens que compõem essa família que fazem os seus sofrerem a ponto de optar por tirar a própria vida.
Segundo Edson Freitas de Araújo, que conversou com os leitores que participaram da leitura coletiva, a solidão é um tema muito presente em sua vida. Foi quando terminou a pós-graduação que se sentiu muito só por mudar de estado, deixar a família, deixar os amigos. Ele conta que desse período voltou uma pessoa transformada, mas a solidão permaneceu e por isso escrever sobre esse sentimento sem precisar de muita pesquisa.
Sobre Quitéria, mencionada acima, o autor colocou o ponto de vista dele sobre a personagem: foi uma filha de escravos que foi sacrificada. Ela acaba conduzindo a sociedade, se torna uma manipuladora, ela molda o pensamento através das crianças e vai conduzindo essas crianças a se tornarem uma sociedade num pensamento muito fechado e faz isso apenas com o processo de mágoa e querendo punir, ganhando muito poder ao longo da trama.
Vamos a alguns trechos do livro:
– … Poderia, inclusive, se calçar e não mais sentir a dor infligida pelos espinhos, pelas pedras. Em compensação, no entanto, se fosse essa sua decisão, teria também de se despedir das carícias das areias que massageavam seus pés…
– Naquela maldade ingênua, disfarçada em duelos travados com o imaginário, o menino caçara também lagartixas. Seriam elas, por sua vez, representações de dragões ápteros e miniaturizados, que perderam a capacidade de lançar chamas, goela e ventas afora.
– Respeite as águas; respeite seus limites; domine sua prepotência; e seja responsável pelas escolhas que faz nessa vida.
– Pegou, então, a garrafa pelo pescoço, estrangulando-a com delicadeza.
– Como poderei escapar se minha pele, velha, acostumou-se a tal realidade, que agora só é capaz de sentir o afago do abandono?
– Mas para que serve a política, senão para servir aos políticos?
Sinopse: Lenda das Pedras é uma estória que expõe a relação de alienação parental e suas consequências, tendo por base a vida de um homem atormentado, que segue em busca de sua identidade. Tudo se deu quando maduro e maltratado pela vida, ele mergulhou nas lembranças de infância, em busca de amenizar suas dores. Lá se viu, diante de sua mãe, numa noite de lua estonteante, e que lhe contava a origem de duas serras: Copioba e Aporá. Essa estória, que perpassa por toda a narrativa do romance, vinculou boa parte das decisões tomadas pela personagem principal às mensagens subliminares contidas na lenda. A obra possui uma fragmentação temporal, misturando passado, presente e futuro, com força marcante no confronto entre o real e o imaginário. Mergulhe, e veja você mesmo, pois são elas, as águas negras e calmas do rio Paraguaçu, que lhe fazem esse convite… Que lhes dão boas-vindas… E as pedras lá estão, na amplidão do recôncavo, inertes, caladas, sem mais nada a revelar.
Edson Freitas de Araújo nasceu em Cruz das Almas, cidade do interior do Recôncavo Baiano, no dia 28 de abril de 1964. Filho de Leandro Costa Pinto Araújo (in memoriam) e Eremita Freitas de Araújo (in memoriam) teve o privilégio de viver no campus universitário Bairro dos Professores durante toda sua infância. Tem duas irmãs: Letícia e Lea. Pai de cinco filhos, sendo eles: Tito Moraes, Ciro Moraes (in memoriam), Pedro Moraes, Vitor Sousa e João Sousa, frutos de dois casamentos.
Lenda das Pedras, de Edson Freitas de Araújo, tem 296 páginas e é dividido em 17 capítulos. Está à venda na Amazon no formato impresso e digital. Agradecimento ao autor e a LG Agência pela oportunidade de participar da leitura coletiva.
Janaína Leme
@eujaestiveem